Thursday, January 05, 2006

se fosse um elemento


Perceber o quão feérico é o momento. Momento a momento. Até não existir mais do que aquilo que realmente nos move. Até não existir mais que uma essência. Perceber o inexplicável ao ponto de não o tentar explicar. Tão irreal como todas as correntes que movem o mundo desde os seus primórdios. Tão verdadeiramente delicado e transcendente. Tão visceral e erótico. Tão espiritualmente inacessível. Tão feminino.

Existo. Não sei há quanto tempo. Demasiado. Não sei se tenho época, pois uma mulher não precisa de uma altura específica para ser. Vivo á espera de voltar, não me lembro de onde parti, mas já foi há tanto tempo, que me lembro somente de ser feliz.

Lembro-me de ser uma menina, uma menina doce e com um sorriso constante. Vivia num sitio encantado, ou que encanta, fora desta realidade e ensinaram-me todas as grandes verdades das coisas. Vivia á beira de um lago onde aprendi verdadeiramente sobre o mundo, e sobre a magia que há dentro de nós, e só aí.

Nas suas águas paradas via-me reflectida, os meus olhos, águas revoltas, cinzentos como o céu que indicia tempestade, âmbar como as riquezas que saem da terra, azuis como as águas límpidas do mar quando está generoso, ou verdes e profundos como a floresta que me rodeava.

Meus vestidos eram leves como os elementos, tão leves como eu, pequena deusa do lago. Esse lago onde aprendi a ver reflectidas as estrelas, minhas irmãs, onde aprendi a ler nas águas paradas.

Voltei para me reencontrar... Não me recordo do concreto, como se a minha vida se tivesse volatilizado. Nós encontramo-nos nos cheiros, nos sons pouco importantes que ressoam dentro de uma parte de nós perdida na consciência. Pequenos êxtases que nos encontram sem os buscarmos. Espontâneos.


A primeira vez que senti que estava de volta foi quando ouvi a água, o som permanente, um leve murmúrio de algo continuo e cristalino. O som que se repete, que se altera de cada vez que se repete, eu mesma em histórias diferentes...

O som que ecoa no bosque. Esse mesmo bosque onde me lembro de correr, livre. Onde me lembro de ter comungado a vida e o ser com aquela luz doirada e algo sinistra. O bosque tem vida. Mais vida que as pessoas que conheci ao longo da minha.

O fechar do meu ciclo...
Um padrão que se repete e se altera de cada vez que se repete. Como a água. Há algo de intemporal no viver. Há algo de intemporal em mim.

Desde que me lembro de ter consciência que me lembro de não procurar, recordo-me ser uma criança feliz e grave, com o mundo nos olhos, uma alma demasiado velha para ser criança. Nasci de onde? De que momento parado no tempo terei surgido?

Não sei o meu nome. Afinal que nome terá uma mulher se não esse mesmo? O meu nome conquistei-o Altera-se consoante quem me vê, a cada momento reencontro-me e invento-me. Acontece isso com todas as coisas que existem, alteram-se, modificam-se, que sentido o de um ser imutável? Que há assim de tão imutável em nós?

Se fosse um elemento, que elemento seria?

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